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terça-feira, 15 de setembro de 2015

O Grito do Silêncio - Ian B. Sarges

Ian B. Sarges é graduando em História pela UFF

“Ninguém ouviu um soluçar de dor no canto do Brasil. Um lamento triste sempre ecoou desde que o índio guerreiro foi pro cativeiro e de lá cantou. Negro entoou um canto de revolta pelos ares no Quilombo dos Palmares, onde se refugiou.” (O canto das três raças, de Mauro Duarte e Paulo César Pinheiro)

Diz o ditado popular: O pior cego é aquele que não quer ver. Eu iria além, acrescentado que o pior cego não é somente aquele que não enxerga, mas aquele que se esforça para embaçar a visão dos outros. Experimente buscar na internet centros culturais e museus localizados no centro do Rio de Janeiro, local no qual há a maior concentração, em relação à cidade e quiçá ao estado do Rio, de empreendimentos deste tipo. Encontrará o Museu de História Nacional, o Teatro Municipal, o Paço Imperial, o Museu Nacional de Belas Artes, a Casa França-Brasil, a Biblioteca Nacional, centros culturais de toda monta, vide Centro Cultural do Banco Brasil, e afins.

Como podemos perceber, existe toda uma exaltação e contemplação, que se estende do poder público ao privado, da “cultura erudita”, a qual não contempla a amplitude dos grupos marginalizados e a produção destes. Dentro da história oficial ou pública, a narrativa do negro, com toda sua herança e produção cultural, é marginalizada, sendo, contra a maré, levada a cabo pelo movimento negro desde sempre. E quando esse caldo cultural penetra – e penetrou com toda a força que carrega consigo -, como o reconhecimento do samba, a “esquizofrenia” aguda ataca ferozmente, fazendo com que tal contribuição se ligue forçosamente a outra identidade – nesse caso, a do brasileiro -, que é englobante, e, por tanto, harmoniosa.

Poder, literalmente, experimentar as pedras do Cais do Valongo, os ossos e a terra do Cemitério dos Pretos Novos e os degraus da Pedra do Sal – imaginando, ao mesmo tempo, as batidas da água do mar - é trazer a luz da sociedade uma narrativa desconhecida; é sentir a História correr por entre os olhos, como rio em seu leito; é tornar a História mais humana e palatável; é dar asas a imaginação histórica, a qual é tão cara não só ao historiador, mas também aos sujeitos que pretendem relacionar biografia e História.

Nesse sentido, o Circuito da Celebração da Herança Negra Africana na região portuária - compreendido pelo Cais do Valongo, pela Pedra do Sal, pelo Jardim Suspensos do Valongo, pelo Largo do Depósito, pelo Cemitério dos Pretos Novos e pelo Centro Cultural José Bonifácio – é um romper de silêncio por meio de um atabaque nervoso, ansioso e alegre, representando a resistência dentro da dominação, o júbilo na dor, o sagrado do desgraçado; é conquista do movimento negro, muito mais que uma iniciativa do Estado, que é representado por uma plaquinha vulgar, enquanto aquele é simbolizado e materializado por cada pedra, objeto metálico e ossos visualizados durante o trajeto.

Parafraseando Bertolt Brecht no seu poema chamado Perguntas De Um Trabalhador que lê[1], eu pergunto: Quem construiu e constrói o Brasil? São os figurões que possuem seus nomes nas plaquinhas? Ou os sujeitos cujos ossos estão à flor da pele e cujos nomes estão estampados nas paredes do Cemitério dos Pretos Novos?

Tendo isso em vista, é fundamental se apropriar dessa narrativa nascente no coração de uma das cidades mais ricas, mais desiguais, mais discriminantes e mais eurocentristas – vide as reformas urbanas baseadas influências europeias e também a própria reforma no cais do Valongo para o recebimento da princesa Teresa Cristina - do país, assim como Dona Merced – que encontrou o Cemitério dos Pretos Novos ao fazer uma reforma em sua casa - o fez, ela, que poderia simplesmente ignorar como muitos outros moradores fizeram, tomou posse com a ajuda de alguns pesquisadores, lutando, ao mesmo tempo, contra a burocracia burra e a falta de investimento do Estado. E hoje conclama, através de seu ativismo, a todos nós que façamos o mesmo.

Assim, cabe a nós historiadores investirmos cada vez mais na modalidade de história pública, a qual sai das salas climatizadas das universidades para o calor das massas e do asfalto, fazendo com que os investimentos provenientes, não de uma entidade sobrenatural, mas da sociedade, tenham um sentido.

Cabe a nós os cidadãos ocuparmos esses locais de memória, a fim de que não se percam entres as construções modernizantes como em outrora. E assim reconstruir a memória coletiva, deixando-a mais crítica, inclusiva e rica. Aliás, a história que não contribui para o debate acerca dos dilemas da sociedade torna-se apenas armazenamento de acontecimentos sem relações uns com os outros. No dia do cumprimento desses compromissos, o samba da Pedra do Sal sobrepujará todos os resquícios do silêncio com seu gingado e malemolência.



[1] "Quem construiu a Tebas de sete portas? Nos livros estão nomes de reis. Arrastaram eles os blocos de pedra? E a Babilônia várias vezes destruída — Quem a reconstruiu tantas vezes? Em que casas Da Lima dourada moravam os construtores? Para onde foram os pedreiros, na noite em que a Muralha da China ficou pronta? A grande Roma está cheia de arcos do triunfo. Quem os ergueu? Sobre quem Triunfaram os Césares? A decantada Bizâncio Tinha somente palácios para seus habitantes? Mesmo na lendária Atlântida Os que se afogavam gritaram por seus escravos Na noite em que o mar a tragou. O jovem Alexandre conquistou a Índia. Sozinho? César bateu os gauleses. Não levava sequer um cozinheiro? Filipe da Espanha chorou, quando sua Armada Naufragou. Ninguém mais chorou? Frederico II venceu a Guerra dos Sete Anos. Quem venceu além dele? Cada página uma vitória. Quem cozinhava o banquete? A cada dez anos um grande homem. Quem pagava a conta? Tantas histórias. Tantas questões.”

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